Quais as diferenças entre escutar clinicamente e escutar habitualmente? O que ouço no setting analítico que distingue essa cena de outras fora do setting? A analista, a que escuta na cena clínica, não se põe em jogo, apesar de ser peça fundamental. Pensando em um jogo de xadrez, a analista poderia ser o tabuleiro. Não está nesta cena em dinâmica, deve estar suspensa enquanto sujeito, abrir mão, respeitosamente, de suas impressões mais ligeiras, para que seus ouvidos ouçam para além de si, para além do que conhece ou lhe faz sentido, escutar sem querer completar o que se escuta. Ouvir verdadeiramente o que o paciente diz e que nem ele sabe que sabe sobre si mesmo.
Lembro-me de um dos primeiros atendimentos a uma analisante, no qual, ao suspender as minhas primeiras impressões imaginárias e buscar ouvi-la, seus silêncios, suas pausas, suas trocas de palavras e a consequente tentativa de corrigir, ouvir as palavras que se repetiam no discurso, as que eram omitidas ou trocadas, enfim, ao adiar a minha tentativa de compreensão imediata, notei que tinha algum efeito.
Mesmo ainda insegura, sendo o início da escuta clínica, mesmo sem ainda saber o que fazer com o que testemunhei na fala da paciente, “apenas” a prática pura e nada simples da escuta mais genuína, produziu efeito. Sim, aquela pessoa sabia que estava sendo escutada como nunca antes. Algo pode ecoar da própria voz. A analista deve ouvir fora do hábito, do modo convencional que é, por essência, egóico, narcisista, imaginário e não há nada de errado ou ruim nisso, quando fora da cena clínica. Em um setting analítico, no entanto, o que deve predominar não é o significado, o sentido do que foi dito, mas o que se oculta nele.
Nossa tentativa constante de dar sentido ao que ouvimos “é tal, que o ouvir em si desaparece na busca pelo significado” (Fink, 2017, p.43). E ao ouvir assim, ficamos apenas com as nossas próprias impressões, enquanto o paciente sucumbe a nossa frente. Tendo em vista que “o próprio fundamento do discurso inter-humano é o mal-entendido” (Lacan, 2008, p. 192) escutar com a pressa em entender (ou seja, projetar sentidos) é frustrar a tarefa desde o princípio. Escutar tentando entender é se não, escutar a si mesmo. E isso podemos fazer sem pudor, nas conversas com os amigos, em uma “relação dual”. O Setting se quer diferente, se quer outra aurora.
A paciente em questão segue comigo ainda hoje. Sua fala mais perspicaz, minha escuta mais afinada. Assim a escuta no estado da “atenção flutuante” segue em avanço no próprio exercício que é a sua prática. “A prática clínica implica em longo (e contínuo) processo de aprendizagem” (Fink, 2017, p. 46) e aos corajosos, é uma epopeia maravilhosa!

